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Caetano Veloso: "Transa"



Documentar Caetano em TRANSA pode não ser o objetivo do presente texto, pretendo aqui expor as sensações mais irregulares sentidas durante a escuta cuidadosa de sexta passada.

Poucas vezes o êxtase me tomou em música, consigo contar nos dedos de uma mão quais foram as experiências, pontuo todas como marcantes, mas destaco o primeiro reggae sentido em BOB MARLEY subindo uma ladeira de uma cidade litorânea do sul do Espírito Santo, o primeiro show que fui do BITUCA, onde as lágrimas corriam sem medidas e o arrepio tomava o corpo a cada troca de acorde e agora a escuta de TRANSA, que permanece no loop do meu Spotify desde a última sexta (e hoje já é domingo).


Ainda no processo de assimilação das camadas musicais, consigo reparar um horizonte que se abre diante do universo de TRANSA, onde esse caminho me levará ainda não sei, uma vez que os momentos de ápice emocional se desenham durante a nossa história e podem ressoar no universo por uma eternidade, talvez neste momento alguma parte de mim tenha sido lançada ao tempo, caído em 1972 e como no filme “De volta para o futuro”, cá estou eu mandando recados de um outro espectro temporal do futuro ou do passado, pouco importa, mas se a ideia de atemporalidade for assimilada tudo fará mais sentido e o que posso desejar ao leitor a partir do próximo parágrafo são votos sinceros de “boa viagem”.


Desleixo. Que informalidade impecável, um jeito de ironizar o exílio fazendo pouco caso de maneira ácida e forte, quantos ensinamentos! Talvez por vivermos em tempos similares quanto ao retrocesso político me vejo tirando diversas referências nas sensações que o disco me causa até aqui. Faz sol, mas está frio. Vejo bem próximo de mim o olhar do tocador de Bacurau, vejo em Caetano aquela perspectiva lançada num olhar de lado sobre a vida como quem diz: “eu sei o que será do futuro, a história é implacável”. Então calma lá, se estamos aqui, deveríamos estar e, por ora, cantando e falando de coisas que quase ninguém ainda sabe e poucos conhecem, o episódio do ex-padre que, ao censurar a segunda música do disco por não saber e nem encontrar no dicionário o que a palavra “Reggae” significava, ainda se faz presente, dessa vez estamos em Caetano naquela conversa. O silêncio nos faz resistentes.


Como ultrapassar a barreira da literalidade e penetrar no mais profundo íntimo do seu próprio algoz? Talvez a ironia seja um caminho bastante válido que aprendo com o disco. Colagens, mistura de idiomas e uma forma enigmática de dizer sobre o óbvio e o profundo.


Imponência. A arte é alheia ao relógio e não obedece os dogmas sob a manipulação de quem, de fato, cria. As transições do disco nos elevam a uma condição de participantes, afinal a compreensão se desenha sempre relativa, assim como a interpretação. O encanto se dá pois me sinto próximo de quem fez, não só no momento, mas no ofício. E aí aprendo, tento captar cada detalhe apenas para ter o disco em mim, sei que a qualquer hora posso usá-lo como bem entender. As respostas nem sempre serão dadas, nem sempre serão compreendidas, falamos de locais diferentes e os signos mudam, o que pode permanecer é o que permanece. E o óbvio também precisa ser dito: estamos vivos.


Se te chamarem e você não estiver, você não está.

Aceite.

O mundo lá fora tem milhões de distrações boas e ruins.

A correnteza existe e te leva.

O ponto é que o ponto nunca está no mesmo lugar.

Quase tudo é dinâmico.


Caetano Veloso durante sua passagem em Londres.



Caetano Veloso e seu amigo também exilado Gilberto Gil.



Texto por Lucas Ramos.


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